Termos do acordo foram alvo de consulta pública, aberta em fevereiro, e aprovados pela maioria dos municípios em maio
O novo contrato de concessão da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) trará mais segurança para o desenvolvimento de loteamentos imobiliários. Empresários e reguladores acreditam que ficaram mais claras as responsabilidades pela implementação da infraestrutura de água e esgoto nos empreendimentos construídos pela iniciativa privada.
Quando uma loteadora começar a vender lotes de um novo bairro – seja ele aberto ou fechado – a própria empresa imobiliária é responsável por construir as redes internas de água e esgoto. Já a empresa de saneamento é responsável por fazer a ligação da rede até a entrada do loteamento. O problema é que, muitas vezes, a empresa de saneamento demora em atender essa demanda da loteadora porque a área não está no seu plano inicial de investimentos. Nesses casos, ou a loteadora assume o investimento ou o projeto pode levar anos para sair do papel.
O novo contrato de concessão da Sabesp traz regras mais claras. Para o setor de loteamento, um ponto-chave é o capítulo que trata das obrigações da Sabesp. O item ‘C’ determina que a empresa tem o dever de “assegurar o atendimento a todo e qualquer usuário, atuais e futuros, de qualquer categoria (residencial, comercial, industrial, pública, rural, dentre outras), incluindo loteamentos e empreendimentos de qualquer natureza” na sua área atendível pela concessão.
O documento foi aprovado em maio, em votação realizada na primeira reunião do Conselho Deliberativo da Unidade Regional de Água e Esgoto Sudeste (Urae), que reúne 370 dos 375 municípios paulistas onde o serviço de saneamento está a cargo da Sabesp. Desse total, 287 aprovaram o contrato e 18 foram contra. Os termos do contrato foram alvo de consulta pública, aberta em fevereiro.
Além disso, o novo marco do saneamento determina que a agência reguladora instituirá regras para que empreendedores imobiliários façam investimentos em redes de água e esgoto, identificando as situações nas quais os investimentos representam antecipação de cobertura a cargo da empresa de saneamento local, fazendo jus ao ressarcimento futuro por parte da concessionária”
Para o presidente da Associação das Empresas de Loteamento Urbano (Aelo), Caio Portugal, o novo contrato atende as demandas do setor e sedimenta as responsabilidades de cada uma das partes. “Este item começa a clarear a relação do que é a responsabilidade direta do loteador e de que é uma participação ‘eventual’ do loteador no investimento”, diz Portugal. Na prática, abre espaço para que o loteador peça ressarcimento por aportes em obras de infraestrutura fora da área interna do loteamento e que seja responsabilidade da concessionária de saneamento.
O mesmo entendimento é compartilhado pelo diretor de Saneamento Básico da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), Gustavo Zarif Frayha.
“Esse é um ponto que acho que abre um esclarecimento melhor quanto ao ressarcimento futuro, se tiver dentro da área atendível. Isso clareia bastante a situação”, avaliou.
Indiretamente, o setor de loteamentos também deve se beneficiar do crescimento mais acelerado da infraestrutura de saneamento que está por vir e que aumentará a capilaridade das redes no Estado de São Paulo. De acordo com o Novo Marco do Saneamento, as taxas de cobertura deverão chegar a 99% da população com água potável e 90% com esgoto coletado e tratado até 2033.
Por sua vez, a desestatização da Sabesp tem por objetivo assegurar a universalização antecipada em quatro anos, já em 2029. A privatização da companhia tem um plano de investimentos obrigatório de R$ 68 bilhões até 2029, para a universalização dos serviços, mas o valor poderá chegar a R$ 260 bilhões até 2060, segundo o governo de São Paulo.
“Eu penso que isso, possivelmente, vai resolver grande parte dos problemas atuais, porque a maturação do empreendimento imobiliário normalmente demanda alguns anos”, observa o diretor da Arsesp, referindo-se ao andamento em paralelo de novos loteamentos e o aumento da capilaridade da rede de água e esgoto nos próximos anos.
O ex-secretário estadual de habitação de São Paulo e atual diretor da empresa Consurb, Lair Krahenbuhl, acredita que as regras mais claras para investimentos contribuirão para dar ânimo aos empresários do segmento imobiliário, que têm um peso relevante não só nas construções de moradias como também no crescimento das cidades.
Segundo Krahenbuhl, as empresas paulistas de loteamentos têm feito, em média, 40 mil ligações de água e esgoto por ano, enquanto a Sabesp, maior concessionária do País, realiza 200 mil. “Ou seja, 20% a 25% das ligações de água e esgoto são feitas pelos loteadores. Isso reforça a importância do setor. Os loteadores são vetores do desenvolvimento das cidades”, enfatiza.
Krahenbuhl defendeu ainda a criação de um grupo técnico com representantes de associações do setor imobiliário em conjunto com membros do Governo do Estado para monitorar como funcionará a expansão dos serviços de saneamento após a desestatização da Sabesp.
Empresa de saneamento de Uberlândia é considerada modelo
O Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) de Uberlândia, no triângulo mineiro, é considerado por empresários um modelo de desburocratização e agilidade em investimentos em infraestrutura. “Soltamos, no ano passado, um pacote de R$ 250 milhões de investimento, que para Uberlândia é um valor significativo. Posso afirmar que não temos mais problemas e reclamações com loteadores e incorporadores da cidade”, conta o diretor geral adjunto da DMAE, Guilherme Marques.
Para isso, entretanto, foi necessário ajustar a tarifa média na cidade em 11% em 2022 e 22,5% em 2023. “O DMAE fez grandes investimentos no passado, nas décadas de 1970, 1980, e sustentou por muitos anos, diria até recentemente, uma tarifa insustentável. A tarifa, hoje, está em R$ 2,60. Isso porque nós fizemos uma revisão”, diz, justificando que o aumento foi necessário para atender o crescimento da população e o surgimento de novos bairros.
Segundo ele, a empresa municipal de saneamento sofria com incapacidade de investimento nos anos anteriores, o que inviabilizava muitos empreendimentos imobiliários e representava uma perda de empregos e impostos para a cidade. “Nós tínhamos uma tarifa insustentável, pilhas de processo de loteamento, empreendimentos parados, não sabíamos o que fazer”, relembra.
Além da recuperação da capacidade de investir, via revisão tarifária, a DMAE passou a oferecer o atendimento escalonado para os novos bairros, o que alivia o seu fluxo de caixa.
“Por exemplo: o empreendedor prevê 20 mil a 30 mil pessoas morando no loteamento e demanda um abastecimento de 40 litros por segundo, por exemplo. Se hoje, o nosso sistema dá conta de conceder cerca de 5 a 10 litros por segundo, decidimos liberar e escalonar o atendimento, acompanhando a curva de crescimento dessa região”, explica. A lógica para isso é que a migração de moradores não acontece de uma vez, e sim ao longo dos anos seguintes, o que permite a construção gradual dessa infraestrutura de água e esgoto.
Para a DMAE, a vantagem é conectar mais rapidamente novos clientes à sua rede por meio da rede de esgotamento que o loteador está construindo. “O cara vai fazer a infraestrutura interna no loteamento. Nós vamos fornecer a água e receber por isso, sem gastar nada no primeiro momento. Aí começa a entrar dinheiro para a DMAE”, ressalta. Com isso, a empresa de saneamento ganha fôlego para atender novos projetos e realizar novos investimentos, afirma.
Saneamento é uma das maiores preocupações para loteadoras
Uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas em parceria com a Ecconit Consultoria apontou que a relação com as empresas de saneamento está em terceiro lugar entre as maiores preocupações das loteadoras. Ela só perde para o excesso de burocracia, segundo a pesquisa.
“Primeiro há uma falta de clareza na proporção correta entre o investimento que é de responsabilidade das empresas loteadoras e aquilo que seria de competência e responsabilidade ou do poder concedente ou do seu concessionário”, diz Caio Portugal, presidente da Aelo.
O segundo ponto que é o loteador antecipa os investimentos relacionados à obrigação das concessionárias para a universalização da cobertura de saneamento, então deveria ter direito a algum tipo de ressarcimento deste investimento. “Hoje, em última instância, quem remunera este investimento é o adquirente do lote”, diz Portugal, referindo-se ao repasse do custo das loteadoras para o consumidor final. “Primeiro, buscamos mais eficiência na aplicação de recursos públicos e privados. Segundo, queremos ter transparência nessa relação para que isso seja percebido pela sociedade”.